Vivendo na Matrix. Ou sonhando acordados...
Prestando um
pouco de atenção na gente, nos nossos pensamentos, dá para descobrirmos
momentaneamente o véu das ilusões que nos cobrem. De minuto a minuto. De
segundo a segundo. Dia a dia, ano a ano e a vida inteira. Estamos
sempre com a cabeça no mundo a lua, como dizem. No ônibus, no metrô. Até
dirigindo um carro. No bar com os amigos. Em casa. Na frente da T.V.
Com literatura de baixa qualidade. Com passatempos banais. Fazemos tudo
isso no piloto automático. Fazemos tudo seguindo uma rotina determinada.
Fazemos tudo baseados no que nos formamos desde a mais tenra idade. Nos
nossos vicios e manias. Quando nascemos, não somos assim. Crianças são
curiosas, destemidas e não aceitam explicações rasas. Querem saber a
origem de tudo. Os porquês de tudo. Não tem preconceitos e não guardam
rancores. Aí vamos crescendo e adquirindo medo de tudo. De experimentar,
de perder o emprego, de ser ridicularizado em público, de fracassar em
algo...Vamos aceitando as afirmações de "especialistas" e nos
conformando com elas, sem nem estudar a fundo a veracidade. Julgamos os
outros pela posição social, pelas roupas, pela cor da pele, pelos bens,
beleza fisica...ou seja. Formamos a nossa famosa "personalidade". E é
ela quem escolhe nosso partido político, nosso amado time de futebol, o
gosto por vestidos ou calças, o corte de cabelo, tipo de música, ou
tribo que faz parte. (e temos orgulho disso tudo. E brigamos por isso
tudo).
e assim somos. E ainda nos vangloriamos disso. Nos apaixonamos por
atrizes e atores de filmes e elegemos nossos ídolos nos esportes, na
música, nas novelas e agora torcemos por um Big Brother. Tudo casca do
que realmente somos na essência. Somos influenciados direta e fortemente
pela sociedade ao redor. Pelo modus operandi. Pelo Status Quo. Por
nossos pais, pelas escolas e professores, pelos amigos, pelo trabalho,
pela igreja, pela T.V. Sempre me pergunto se seria a mesma pessoa se
tivesse nascido e vivido na Somalia. Ou Tibet, Iemen ou Sibéria,
Islandia ou interior de Alagoas ou Rio Grande do Sul. Com certeza muitas
coisas seriam diferentes mas não na essência. Meu time de futebol seria
diferente, assim como meu gosto por comidas, vestimentas e músicas. E
eu só estaria sonhando acordado com outras coisas...No fundo, tudo mesma
coisa, só mudariam as cores.
Como vivemos sonhando acordados, isso vai refletir diretamente nas
nossas ações. Materializamos nas nossas vidas esses sonhos "falsos",
induzidos. Plantados. Nos ensinam que felicidade é ter bom emprego e
dinheiro. E carro bacana. E sonhamos com isso. Com esforço,
materializamos o sonho e ele se torna realidade. E depois de conquistar
essas coisas, percebemos que ainda nos falta algo. Que certos vazios
continuam.
Hoje em dia, as influências externas estão ainda mais fortes;
Tudo está amplificado pelas tecnologias, blogs, e-mails, SMS, twitter,
facebook congestionados por milhões de teorias e opiniões sobre tudo. Um
pandemônio. É todo mundo especialista em tudo. Desde política
internacional até física quantica.
Exercício: Paremos agora o que estamos fazendo e nos concentremos no
que estamos pensando. E no que estava pensando a um minuto atrás. Na
maioria das vezes nem lembramos, tamanha a quantidade e futilidade dos
pensamentos. A mente está sempre, sempre, 100% do tempo, navegando
sozinha, sem dono. sem comandante. Estranho não é? Os pensamentos e
imagens vêm e vão sem parar. Não conseguimos dominar e focalizar em
algo. Sempre vem outro pensamento louco atropelando. Quer um exemplo?:
Estamos em pé no ônibus voltando para casa, pensando se tem comida
pronta ou temos que fazer. Lembramos que tem carne no congelador. Porém
tem que descongelar e vai demorar. Aí lembramos que comemos uma porção
bem gostosa num bar na sexta passada e que a noite inteira foi bem
agradável. Tocou até uma música que você gosta muito e fazia tempo que
não escutava. Daquela banda que vai fazer show ano que vem aqui e você
talvez não tenha dinheiro para ir. Porém até lá talvez você já esteja em
outro emprego e ganhando melhor, aí poderia ir no show. Daria ate para
comprar um carro mais novo. Porque ter um carro é bom. Dá para ir para a
praia sempre que quisermos. Qual foi a última vez que fui na praia
mesmo? Quem estava comigo? Ah, tal pessoa. faz tempo que não vejo ela,
aliás acho que a última vez que a vi foi na praia
mesmo....etc...etc...etc...e assim vai, vai, vai...uma coisa boba
levando a outra coisa boba. Os pensamentos vão indo. vagando...Sem fim. E
nos distraímos eternamente. E não focamos em nada. E vamos fugindo dos
assuntos sérios e pertinentes. De sentir profundamente o que está dentro
de nós. Anseios ou intuições. Inspirações. Razões. De pensar nas nossas
atitudes do dia a dia e de como reagimos diante de desaforos, elogios
ou criticas. E dá preguiça (pecado capital) focar em algo. A gente não
tem forças nem para segurar um pensamento. Nem para dominá-lo e
investigá-lo. Cansa, a principio. Isso é porque não estamos habituados,
não fomos educados assim. Fomos treinados para sermos dispersos. Nem
quando comemos prestamos atenção e o pensamento vai longe do mesmo
jeito. Não sentimos cheiros e nem percebemos o que comemos direito. Só
importa comer rápido e muito (gula) e voltar a alguma atividade
corriqueira. mas aprender a pensar é questão de educar-se para isso.
Treinar mesmo. Igual a ir numa academia de ginástica depois de muito
tempo sem atividades físicas. Nos primeiros dias, os músculos ficarão
doloridos. Depois se habitua. Ganha elasticidade. Pensar com foco, ou
meditar, refletir, filosofar ou qualquer nome que se dê, também é
questão de "desenferrujar" os músculos do intelecto e dá-los
elasticidade.
Outros exemplos de como somos extremamente sugestionáveis e
vulneráveis.: - A gente vê uma briga na rua, paramos e damos uma
"espiada". Em poucos segundos a gente já se vê torcendo para algum dos
lados da briga. Julgamos em segundos quem está certo e errado. E já nos
agitamos até mesmo fisicamente. Já nos tensionamos, os musculos e o
bombeamento de sangue já ficam alterados... Seja por qual razão obscura,
torcemos para alguém ou alguma coisa acontecer. Dá vontade de entrar na
briga. E não raro, sempre tem gente que entra em briga alheia. Taí um
dos motivos de sucesso de um UFC (Ira). E somos "fisgados" por dezenas
de cenas diariamente. Massivamente. Por pessoas atraentes, oras...Nem
conhecemos a pessoa e já somos atraídos fisicamente por ela. E esse
fisicamente se torna na imaginação às vezes o ato em si (luxúria).
Também imaginamos se ela tem ideias iguais aos nossos, se gosta das
mesmas coisas, e puf! já estamos sonhando acordados de novo.
Lembrando que o que fantasiamos, as cenas mentais que
inventamos é tratado pelo corpo como reais. As reações são iguais. O que
fica na memória, o desperdício de energias, são reais também.
Tudo isso também nos faz não viver o presente. Estamos sempre
remoendo o passado. Sejam as glórias ou rancores. Ou sempre planejando
um futuro utópico, sem alicerces, sem planejamento sério. E o único
momento em que podemos fazer algo, agir, é no presente.
E é isso o que sempre quero dizer sobre vivermos na Matrix. Vivermos
na ilusão. Andando e sonhando sem parar. Há muitíssimos filmes, livros,
peças de teatro e até músicas versando sobre isso. São ótimas
alegorias. Mas também não deixam de serem agentes de distrações. Mesmo
um filme sublime do Kubrick ou Woody Allen ou Kurosawa.
Estamos afundados em sentimentos falsos, enganadores e irreais.
Orgulhos e apegos sem sentido algum. Apegos por pessoas, situações que
não agregam valor em nada. Somos viciados até em sentimentos. E tudo
isso, além de ainda deixarem enterrados nossos verdadeiros valores,
trazem à tona os egos e orgulhos. Começar a surpreender esses
pensamentos vagueando, pegá-los de calça curta já é um bom começo para
começar a trabalhar nisso. Pegar ainda na garganta aquele sapo engolido
por ter ouvido um desaforo. Perceber na hora qual sentimento foi ferido e
porque. Chegar na origem da ira, da inveja, da luxúria, da gula, do
ciúme....Isso é começar a revolucionar a dialética das coisas e
transformar as impressões que nos chegam. Isso é se reeducar
radicalmente. Pararmos de nos sentirmos injustiçados. De tanta
auto-piedade. Somos exatamente iguais aos grandes mestres e sábios que
já pisaram na Terra. Nada de diferente no quesito oportunidades. Afinal,
estamos vivos, somos inteligentes, fortes e temos livre arbítrio para
fazermos o que quisermos. Seguir na onda dos ignorantes, ou criar forças
para fugirmos da farsa que nos tornamos. E remar contra a correnteza.
Se é fácil? Claro que não. Nunca foi e nunca será. O caminho é longo pra
caramba. Espinhoso e pedregoso. E estreito. Mas toda jornada, por maior
que seja, começa com o primeiro passo. "Mais fácil um Camelo passar por
um buraco de agulha do que um rico chegar ao céu."
A vida é curta, muito curta para se perder tempo e energia com
babaquices e coisas fúteis. Temos que resgatar a criança que fomos e
está trancada dentro da gente ainda. Ela está vivinha e cheia de força.
Mas trancada dentro dos nossos orgulhos, do nosso cinismo e egos
maléficos. Resgatar aquele jovem cheio de esperanças, de sonhos, energia
e ambições bacanas que se perdeu nesse mundo competitivo e invejoso.
Reducionista. Que nos faz achar que somos números. Que nos fez e faz
viver os sonhos alheios. E seguir caminhos que não escolhemos. Um mundo
que não nos educou da forma certa. Somos especiais e poderosos. Mas não
mostramos isso nem pra gente mesmo. Nem sequer experimentamos esse
poder. Só que olha só: Mesmo assim, nós percebemos que fomos enganados e
temos força para mudar tudo. É só abrirmos os olhos e acordarmos para a
vida! Já!